Os chefs André Cruz (Feitoria, 1* MICHELIN), João Sá (Sála, 1* MICHEIN) e José Pereira (Õtaka) rumaram até aos Açores, à descoberta dos sabores da ilha de Santa Maria, numa ação da Marca Açores.
Com o objetivo de fazer o levantamento das tradições, receituário e produtos regionais, os chefs percorreram o território, em contacto com produtores, cozinheiros, empresários e restauração, com quem partilharam técnicas e informações de valorização deste património gastronómico.
Entre os dias 8 e 11 de julho, os chefs visitaram produtores, cozinheiros locais, restauração e pequenos empresários com o intuito de descobrir o que de melhor se produz em Santa Maria.
O apuramento das receitas tradicionais e o conhecimento dos produtos identitários da ilha permitiram uma partilha de experiências, de parte a parte, que incluiu também ações de formação orientadas pelos chefs que aportaram novas técnicas e ideias de enriquecimento deste legado gastronómico, cultural e agrícola.
“A identificação dos agroprodutos das ilhas açorianas e a sua promoção fora dos territórios tem sido um trabalho que temos vindo a construir, no âmbito da Marca Açores, numa valorização constante da alta qualidade do produto açoriano. No campo desta responsabilidade, decorreu a ação na ilha de Santa Maria, que permitiu um maior reconhecimento do valor do património gastronómico e agrícola mariense, com três chefs profissionais em contacto com a população e os responsáveis pela produção dos produtos certificados com a Marca Açores e a restauração local, como o “Ponta Negra”, o primeiro restaurante a receber a certificação Marca Açores na ilha de Santa Maria”, explica António Ventura, Secretário Regional da Agricultura e Alimentação.
“PRODUTOS ÚNICOS”
No decorrer da iniciativa, foram realizadas visitas a vários pontos de interesse, com foco na qualidade do produto local, na autenticidade e na própria sustentabilidade da sua produção, de forma a consciencializar para a necessidade de manter as suas características ímpares.
“Encontrámos produtos únicos, como é o caso dos nabos, que nada têm a ver com os nossos nabos, e que têm bastante potencial na cozinha”, exemplifica o chef André Cruz. “É importante dar a conhecer estes produtos locais e garantir-lhes uma maior expressão fora deste território, promovendo também a sua produção, importante para a economia da ilha. Ao longo dos dias, conversámos com a população local e aprendemos com as suas histórias, o porquê destes produtos, as suas tradições e o enraizamento de práticas que no final nos levaram a criar um menu para o jantar final, que juntou toda esta sabedoria popular ao nosso conhecimento, enquanto chefs profissionais, e a nossa visão sobre como aproveitar ainda mais cada produto. Sem dúvida de que, no meu caso, por exemplo, trarei para o Feitoria um pouco desta ilha”, acrescenta.
Nascido em Santa Maria, o chef José Pereira, atualmente a viver em São Miguel, teve nesta experiência a oportunidade de fazer um balanço da oferta gastronómica atual da ilha e de perceber como os seus colegas encararam estas vivências. “É muito interessante perceber como quem vem de fora vê potencial em produtos a que nós estamos tão habituados que nos leva a prepará-los sempre da mesma forma. Como mariense, é com orgulho que vejo como a nossa cozinha, como é o caso das Sopas do Espírito Santo de Santa Maria, tão importantes para nós, ou mesmo o Caldo de Nabos, que conhecemos desde crianças, pode ter uma nova abordagem mantendo a autenticidade dos sabores. Acredito que a ilha tem muito para explorar e dar a conhecer a quem nos visita, com um destaque especial para a qualidade do que aqui se faz. A Marca Açores tem um papel importante nessa divulgação e consciencialização da importância de não se perder a nossa identidade”.
Outro dos pontos em destaque das visitas foi a recuperação da tradição da viticultura, com castas como Verdelho, Arinto dos Açores ou Terrantez do Pico, entre outras, que está a ser fomentada junto da população local, com o objetivo de aumentar a produção existente e apostar no vinho como produto de excelência, com uma oferta mais alargada, sobretudo à procura turística na ilha. Com uma cultura própria com mais de 600 anos, as vinhas são plantadas nas encostas, em socalcos que só apenas o homem consegue aceder, sujeitas a condições extremas. Embora esta tradição remonte há mais de seis séculos, a ilha de Santa Maria viu apenas no dia 18 de maio deste ano os seus primeiros vinhos certificados com a Indicação Geográfica Açores: um branco feito a partir da casta nobre açoriana Verdelho, um branco feito a partir de uvas tintas e um rosé.
“Sem dúvida que o que mais me surpreendeu foi a qualidade dos vinhos. Sou um apaixonado por vinhos e confesso que fiquei bastante admirado e com vontade de explorar todo este potencial. Com produções ainda pequenas – o Verdelho teve apenas uma produção de 112 garrafas – esta exclusividade dá-lhes ainda mais carácter e autenticidade. Como chef, considero importante este tipo de ações que ajudem a divulgar o tanto que produzimos no nosso país e que ainda é desconhecido da grande maioria. A ilha de Santa Maria tem muito a descobrir, tanto pelo consumidor comum como por nós profissionais da cozinha, a quem cabe um pouco a responsabilidade de apresentar produtos nacionais tão ricos e singulares, com a Meloa de Santa Maria IGP ”, relata João Sá.
A meloa, produto-estrela da ilha, tem características únicas, com a polpa de cor alaranjada e textura macia, de sabor doce, sumarenta e com um aroma forte. Estas especificidades valeram-lhe não só a classificação de Indicação Geográfica Protegida (IGP), como também a certificação Marca Açores, um selo que afiança a origem e a alta qualidade dos produtos açorianos. Esta certificação, promovida pelo Governo dos Açores, tem sido fundamental no garante da valorização da identidade açoriana, incentivando a população a conservar esta regionalidade, com a perpetuação de produtos locais, receitas tradicionais e serviços, como a restauração, a hotelaria ou empresas de dinamização turística, que garantem a preservação da cultura, tradições e natureza açorianas, com a singularidade de cada ilha. É o caso do queijo e do requeijão de ovelha, uma tradição exclusiva de Santa Maria, ao contrário das restantes ilhas que se dedicam ao queijo com leite de vaca, ou da doçaria, como os biscoitos de orelha. Também a extensa variedade de peixes que refletem a riqueza subaquática destas águas temperadas e cristalinas, com um clima único no Arquipélago que valeu a Santa Maria a designação de “Ilha do Sol”, é um potencial a explorar, importante para a referenciação da ilha como destino gastronómico.
Além da identificação das especificidades de Santa Maria, esta ação da Marca Açores teve também uma componente pedagógica, com a realização de workshops formativos orientados pelos chefs, dirigidos à restauração local inscrita. As sessões serviram sobretudo para transmitir novas técnicas e criar uma maior consciência do aproveitamento total do produto, como é o caso das carnes e dos peixes, e uma expressão mais alargada dos produtos e receitas regionais nos menus dos restaurantes, com novas abordagens mas mantendo a essência mariense.
A culminar esta iniciativa, decorreu um jantar no restaurante Ponta Negra preparado pelos três chefs, juntamente com os elementos inscritos nos workshops, com produtos identitários da ilha como os nabos ou a Meloa IGP, harmonizado com os vinhos de Santa Maria e as cervejas artesanais produzidas na ilha. Este momento de partilha e celebração entre os responsáveis pela iniciativa e a população envolvida nas múltiplas ações ao longo da semana acentuou a vontade de garantir que a ilha de Santa Maria continue a ser tão singular e um destino apetecível não só pela natureza envolvente como também pelos seus sabores. Para essa noite, os chefs serviram vários pratos, como Lírio, citrinos e molho alimado de pimenta da terra e Meloa da Santa Maria; Prego especial de Santa Maria e molho de pimenta da terra; Badejo ao sal e nabos marienses; borrego no alguidar com inhame da terra ou Tarte de requeijão, queijo fresco e meloa, entre outras sugestões.
Esta ação vem na continuidade da promoção realizada o ano passado nas ilhas das Flores e do Corvo, com moldes semelhantes, num esforço da Marca Açores para divulgar, promover e preservar o alto valor do arquipélago dos Açores, como destino de natureza e gastronomia.
Texto e fotografias: www.chefsagency.net