O Turismo valoriza a gastronomia açoriana, assegura Rúben Correia, autor do livro “Comer à moda dos Açores”. O gastrónomo micaelense considera que se deve conjugar a tradição com a inovação
Acaba de editar o livro “Comer à moda dos Açores”. Para além das 43 receitas da gastronomia açoriana o que se pode encontrar mais nessa publicação?
O livro tem 152 páginas e 43 receitas dos Açores, estando representadas todas as ilhas.
Para além das receitas e das respetivas fotos que as acompanham, faço uma breve contextualização da história e geografia dos Açores, bem como uma abordagem à volta dos principais produtos e festividades gastronómicas das nossas ilhas, como a matança do porco, as Festas do Divino Espírito Santo, entre outras.
No final do livro, faço também um breve dicionário dos adágios alimentares dos Açores, com o respetivo significado de cada um deles. Está muito interessante e é demonstrativo daquilo que somos.
Até há pouco tempo, eram escassas as obras publicadas sobre a gastronomia açoriana. Nos últimos anos, têm surgido diversos livros sobre essa temática. Considera que isso reflete um crescente interesse pela gastronomia açoriana? Continua a faltar uma obra de referência sobre o assunto?
Com o crescimento do turismo nos Açores é normal que haja um maior foco para a nossa gastronomia.
Portugal é um país de boa gastronomia e os Açores são, de facto, uma das regiões portuguesas com uma história gastronómica forte.
Apesar de já haver algumas obras, cada uma com o seu estilo e forma de interpretar e sentir a nossa gastronomia e as nossas ilhas, acredito que este “Comer à moda dos Açores” é um contributo para a preservação do que é nosso, completamente diferente do que se fez até aqui.
No seu livro faz também uma abordagem aos produtos regionais. Quais as medidas necessárias para que esses produtos possam ser mais valorizados?
É importante que continuemos a investir na qualidade dos nossos produtos. Os Açores são um destino de qualidade, não de quantidade.
Temos que continuar a fazer o que já fazemos há centenas de anos.
Dominamos a economia nacional no chamado Ciclo da Laranja, demos provas de resiliência com o fim das quotas leiteiras e agora, nesta nova viragem da região para o turismo, é importante que continuemos a investir no que é nosso, num crescimento sustentado e sem sobressaltos.
Como crítico gastronómico qual a avaliação global que faz dos restaurantes açorianos?
Tenho, felizmente, tido oportunidade de conhecer restaurantes por todo o país e até em algumas zonas do globo.
Temos uma boa gastronomia dos Açores, mas em geral, em termos de restauração, ainda não conseguimos capitalizar isso.
Os Açores ainda têm muito para crescer neste sentido e uma das dificuldades dos nossos empresários, meus colegas porque por mim também falo enquanto empresário da restauração, é realmente a falta de mão-de-obra qualificada na Região.
Julgo que temos que olhar para este assunto com a máxima preocupação, para que, uma vez mais digo, possamos crescer de forma sustentada e em qualidade.
De que forma se pode conciliar a tradição com a inovação na cozinha açoriana?
De muitas formas, claro. É importante preservarmos a nossa herança cultural e gastronómica, mas é, também, muito importante darmos a nossa interpretação, evoluirmos, recriarmos e criarmos, sem ofender o que até aqui se fez, é certo, mas também não hipotecando as tendências de futuro.
Todos os dias fazemos Historia. Na gastronomia é igual. A gastronomia é intemporal. As receitas de hoje serão, certamente, tradição amanhã.
A francesinha, no Porto, um dos pratos mais vendidos e característicos desta cidade, tem apenas 60 anos de existência e é já uma referência da tradição e cultura do norte do país.
Nos Açores é igual. O chamado bife à regional, sobretudo em São Miguel, só existe há pouco mais de 50 anos e é um dos pratos mais vendidos e requisitados pelo turismo. Só a Associação Agrícola de São Miguel vende mais de 150 mil bifes por ano.
Nós hoje temos mais ferramentas. Os nossos antepassados cozinhavam com o que havia em casa, com aquilo que a terra e o mar lhes dava, e muitas vezes improvisavam e criavam novas formas de cozinhar o mesmo produto, usando as sobras de um dia para o outro.
Este livro é uma homenagem a estas cozinheiras que, longe dos holofotes e da ribalta, nas suas humildes casas, criaram receitas que hoje podem e devem ser tendência.
Cortesia Diário Insular