António Cavaco acaba de lançar um livro com edições em português e inglês sobre a gastronomia açoriana. O gastrónomo defende diz que há pouco para “inventar” na cozinha.
Acaba de lançar o livro “Gastronomia dos Açores” e a versão em inglês, “Azorean Gastronomy”. O que se pode encontrar nesta segunda obra sua autoria sobre esse tema?
Esta obra é sobretudo a afirmação de compromissos. O primeiro compromisso é moral e de honestidade, para com a Gastronomia Açoriana e para com os açorianos.
É uma recolha e pesquisa, genuína, sobre a gastronomia das nove ilhas dos Açores, numa visão parcial, de apontamentos mais representativos de cada uma delas, sem esgotar a sua totalidade.
Apresenta o apontamento gastronómico, vinculado à história e à cultura, num trabalho exaustivo, de pesquisa e investigação, enquadrado na história do povoamento dos Açores.
A versão, em língua inglesa, é o segundo compromisso, com a Diáspora Açoriana de segunda e terceira geração, nos países de residência, que já dominam, com dificuldade a língua portuguesa.
O terceiro compromisso é para com o turismo, de abertura ao mundo. Oferecendo ao visitante, para além da experiência gastronómica que viveu, a possibilidade de possuir no seu arquivo vivo de “estante” a presença da Gastronomia Açoriana.
Apesar de nos últimos anos ter-se verificado a publicação de alguns livros e estudos académicos sobre a gastronomia açoriana, há ainda muito para abordar sobre o assunto. Quais as áreas que considera essenciais que ainda não estão devidamente estudadas?
Relativamente ao que se tem publicado nos últimos tempos, sobre gastronomia, (entenda-se culinária ou outra designação), não passa de cópias de má qualidade, sem identidade, mostrando apenas apontamentos, a nu e cru, sem ligações identitárias, retiradas duma qualquer publicação já existente ou que beberam na “bíblia” do saudoso Augusto Gomes…
Conheço alguns estudos académicos, sobretudo teses de mestrado, que, do ponto de vista científico, abordam muito bem o “objeto” da tese, mas que, na minha opinião, ficam muito aquém do desejado, cultural e histórico da gastronomia.
Fazem falta publicações de referência como uma História da Gastronomia Açoriana ou um Dicionário da Gastronomia Açoriana?
Na cozinha, como nas palavras, tudo está inventado.
O que mais se vier a conhecer, não passará de apontamentos “bizarros”, sem qualquer fundamento, como conhecemos no dia-a-dia.
Aliás, a questão da gastronomia, comparo-a com a moda. Todos assistimos, às passagens de modelos, nas grandes passerelles, aos modelos, de vestimentas, mais estranhos, que possamos imaginar, e, sabemos, que, apesar da excentricidade, não haverá quem os use, por certo.
No entanto, há pelo meio, uns costureiros, que, habilidosamente, trabalham a vestimenta, a ponto de a tornar usual pelos comuns mortais…
Se transportarmos esta situação para a cozinha, não fugimos do quadro; dos termos, dos nomes, da apresentação e das novas definições e conjunções…
Existe uma gastronomia açoriana ou um conjunto de gastronomias localizadas em cada ilha ou mesmo dentro delas que no seu conjunto podem ter um traço comum?
Não apadrinho a ideia de nove ilhas, nove cozinhas. Mas aceito a existência duma “trave mestra” transversal às nove ilhas dos Açores, que, a partir do mesmo apontamento, adaptado a circunstâncias, práticas sociais e escassez ou abundância, até pelo próprio povoamento e origem dos povoadores, se apresenta com uma particularidade, aqui e ali, que, em nada altera o apontamento.
O feijão assado, nas Capelas, em São Miguel, ou nas Flores, na Fajãzinha, é feijão assado!
Veja-se, o caso paradigmático das Sopas do Espírito Santo”. Como o próprio nome indicia, ao tempo da instituição, “sopas”, são sopas de pão, embebidas num caldo, de cozido, de unto, algum enchido, ou carne, aromatizadas, normalmente com hortelã.
Contudo, de ilha para ilha, e até dentro da própria ilha, temos versões muito diferentes; mais ricas, ou mais pobres, veiculadas a duas premissas; a tradição do compósito e as posses do mordomo, sem esquecer o tempero.
Para onde se deve caminhar no sentido da inovação na Cozinha Açoriana?
Desde que o homem se tornou bípede, descobriu o fogo e formas de conservar alimentos, e, por acidente, deixou de consumir cru e podre e passou ao consumo de “cozido” e “grelhado”. Abriu-se um leque inesgotável de combinações alimentares (inovações) que se vem aprimorando nos últimos 10 mil anos.
Como referido atrás, nada haverá a inovar. Tudo, ou quase tudo, está inventado. Porque, normalmente, quando se quer inovar, acontece exatamente o contrário; perverte-se.
No meu ponto de vista, o que a Cozinha Açoriana, necessita é “sair de portas”. Adaptar a qualidade excecional dos alimentos a um padrão de coinfecção, diferenciado, de qualidade superior, para residentes e visitantes, tirando partido dos elementos “nucleares: alimento, tempero, condimento e fogo.
Cortesia “Diário Insular”